O Sábio Interior: Azhar, Jung e a Sabedoria que Emerge do Inconsciente

Como criei Azhar em "Os Dragões Brancos" para encarnar o arquétipo junguiano do Sábio Ancião. Reflexões sobre como a verdadeira sabedoria emerge do inconsciente quando estamos prontos para recebê-la - e como a cegueira física pode revelar visão interior profunda.
“Tudo o que nos irrita nos outros pode nos levar a uma compreensão de nós mesmos.” – Carl Gustav Jung

Quando comecei a escrever “Os Dragões Brancos”, sabia que Zyric precisaria de um mentor. Mas não queria o clichê do sábio barbudo: queria explorar como a verdadeira sabedoria emerge do inconsciente, não de conselhos externos.

Azhar Ibn Khamal nasceu dessa pergunta. Um monge cego com olhos pálidos, quase sem cor, que não vê o mundo físico, mas percebe através de vibrações, tato e uma consciência expandida que transcende os sentidos comuns.

O Arquétipo do Sábio Ancião

A Voz do Inconsciente Coletivo

Jung identificou o Sábio Ancião como um dos arquétipos fundamentais do inconsciente coletivo – aquela figura que aparece em sonhos, mitos e histórias como portador de sabedoria transcendente. Não é apenas um velho experiente, mas a personificação do conhecimento que transcende a experiência individual.

Com Azhar, tentei encarnar esse arquétipo de forma consciente. Por isso ele aparece como um monge ancião – a sabedoria autêntica requer tempo, silêncio e amadurecimento. Ela não pode ser apressada, apenas recebida quando o coração está pronto.

Mas havia algo mais que eu precisava explorar: a cegueira física como metáfora da visão interior. Azhar tem “olhos pálidos, quase sem cor, que não pareciam olhar para fora, mas para dentro” – ele percebe através de tato, vibrações, uma consciência expandida. Essa escolha reflete algo que demorei anos para aprender: algumas verdades só podem ser “vistas” quando paramos de confiar apenas nos olhos físicos.

Entre Confúcio e Lao Tse

Confúcio disse: “Saber o que é justo e não o fazer é a pior das covardias.” Lao Tse ensinou: “O sábio é aquele que conhece os outros, mas o iluminado é aquele que conhece a si mesmo.”

Ao escrever Azhar, quis criar uma ponte entre essas duas tradições. Ele não apenas conhece o mundo exterior (como Confúcio), mas principalmente conhece o mundo interior (como Lao Tse). Sua sabedoria não é teórica – é vivida, incorporada, silenciosa.

E sua cegueira física torna isso ainda mais poderoso. Ele não pode se distrair com aparências. Ele percebe a essência das coisas, não suas máscaras. Quando toca o chão para sentir vibrações, quando tateia a parede da montanha para guiar o grupo, ele está demonstrando uma forma de conhecimento que transcende a visão comum.

Ver Sem Olhos: A Percepção Expandida

O Mundo Através das Vibrações

A cegueira de Azhar não é uma limitação – é uma libertação. Ele desenvolveu outros sentidos a um nível extraordinário. Ele “toca levemente a parede da montanha” e sabe exatamente onde estão, “tateia rapidamente enquanto capta as vibrações do ar, das rochas, da própria montanha”.

Isso me fascina porque representa algo profundamente filosófico: às vezes precisamos perder um sentido para desenvolver outros mais profundos. Azhar perdeu a visão física, mas ganhou uma percepção que transcende o visível.

Quantas vezes na vida estamos tão focados no que vemos que não percebemos o que realmente está acontecendo?

A Sabedoria que Sussurra

Há uma cena no livro onde Azhar diz a Zyric: “Acha que força é só músculo e raiva? A raiva é como uma faca sem cabo, garoto. Segure tempo demais… e vai se cortar primeiro.”

Essa sabedoria não vem de livros. Vem de décadas de experiência, de erros cometidos, de dor transformada em compreensão. Azhar não apenas sabe isso intelectualmente – ele viveu isso.

Sri Ram, em “Em Busca de Sabedoria”, ensina que a sabedoria não é algo adquirido externamente, mas algo que emerge quando o coração e a mente estão prontos. A verdadeira sabedoria não é transmitida – é despertada.

A Serenidade Diante do Caos

Epicteto, o filósofo estoico, ensinou que não controlamos o que nos acontece, mas podemos aprender a responder com clareza. Azhar encarna essa postura de serenidade diante do caos.

Quando escrevi suas cenas, tentei fazer com que ele nunca parecesse perturbado ou apressado. Mesmo diante de crises – tempestades de neve, dragões, perigos mortais – ele mantém uma calma que não é indiferença, mas compreensão profunda.

Há um momento onde o grupo está perdido na tempestade e Azhar “toca novamente o chão coberto de neve, concentrando-se profundamente” e diz: “Há uma caverna próxima. Sigam-me, depressa.” Zyric “confia plenamente na percepção aguçada do monge”.

Essa serenidade não vem de ignorar o sofrimento, mas de ter atravessado tanto que nada mais o desestabiliza. Azhar é o pressentimento do ancião que espero me tornar: alguém que atravessou o caos sem perder a serenidade.

O Monge Guerreiro: Força na Serenidade

A Disciplina que Transcende a Violência

Azhar não é apenas um sábio contemplativo – ele é um monge guerreiro. Mas sua força não está na agressão, e sim na disciplina absoluta. Ele luta desarmado, usando apenas o corpo e a mente, e só quando não há outra escolha.

Essa dualidade era importante para mim. Queria mostrar que a sabedoria não é passividade. Azhar pode ser gentil, paciente, sereno – mas quando necessário, ele age com precisão letal.

Isso conecta profundamente com o estoicismo: não é sobre evitar a ação, mas sobre agir com clareza e propósito, sem ser dominado pela emoção. Azhar luta quando precisa, mas nunca por raiva, nunca por ego. Apenas por necessidade.

Ver o Combate Sem Olhos

Como um monge cego luta? Essa pergunta me provocou enquanto escrevia. A resposta está na percepção expandida de Azhar. Ele não precisa ver os movimentos do oponente – ele sente as vibrações no ar, o deslocamento do vento, a intenção por trás do ataque.

Isso representa algo profundo: o verdadeiro combate não é físico, é energético. Azhar não luta contra corpos, luta contra intenções. Ele percebe o que está por vir antes que aconteça, não através da visão, mas através de uma consciência que transcende os sentidos comuns.

Quantas vezes na vida “lutamos” contra problemas sem realmente perceber sua essência?

O Inconsciente como Guia

Aparições nos Momentos Cruciais

Uma das características mais importantes de Azhar é que ele surge nos momentos de crise. Isso não é acidental – é uma representação de como o inconsciente funciona.

Jung observou que os arquétipos emergem quando a consciência precisa deles. Eles não estão sempre presentes, mas aparecem nos momentos cruciais – em sonhos, sincronicidades, encontros inesperados.

Quando o grupo chega à vila abandonada, encontram Azhar esperando por eles, com cinco pedaços de pão já cortados, um para cada membro do grupo. Como ele sabia que viriam? Como preparou tudo com tanta precisão, sendo cego?

A resposta é que Azhar opera em um nível de consciência diferente. Ele não precisa ver para saber. Ele sente, percebe, vibra com o que está por vir.

A Água que Beneficia Sem Competir

Lao Tse ensinou: “O sábio é como a água: beneficia tudo e não compete.” Essa imagem guiou completamente a forma como escrevi Azhar.

Ele nunca impõe sua sabedoria. Oferece perspectivas, faz perguntas, guia através do exemplo. Quando Zyric está consumido pela raiva, Azhar não o repreende – ele simplesmente pergunta: “Acha que força é só músculo e raiva?” A verdadeira sabedoria se oferece, gentilmente, e espera que o outro esteja pronto para recebê-la.

A Individuação como Processo

O Mentor Está Dentro

Jung via a individuação – o processo de se tornar quem verdadeiramente somos – como a grande jornada da vida. E o encontro com o Sábio Interior é parte essencial dessa jornada.

Há um momento revelador no livro onde Zyric olha para Azhar e pensa: “Algo no monge parecia diferente. Como se estivesse enxergando além do que sempre vira nele. O velho combatente não estava ali apenas pelo dragão. Havia algo mais.”

Esse “algo mais” é a percepção de que Azhar não é apenas um mentor externo, mas uma manifestação do próprio inconsciente de Zyric. A sabedoria que Azhar oferece já existe dentro de Zyric, esperando ser reconhecida.

Isso conecta profundamente com a filosofia estoica de Epicteto: não é o mundo externo que nos guia, mas a forma como nos orientamos por dentro.

Encontrando Seu Azhar Interior

Cada um de nós tem um Azhar dentro de si – aquela voz calma e sábia que aparece nos momentos de silêncio, que nos guia através de sonhos, que se manifesta em insights súbitos. Mas raramente a ouvimos, porque estamos ocupados demais buscando respostas fora.

A cegueira de Azhar é uma metáfora poderosa: às vezes precisamos “fechar os olhos” para o mundo externo para finalmente “ver” o mundo interno. Precisamos parar de buscar validação, respostas e sabedoria fora de nós e começar a tatear, sentir, vibrar com nossa própria consciência expandida.

Isso pode acontecer através da filosofia, da espiritualidade, da arte, da meditação, ou simplesmente através do silêncio e da observação. O caminho é diferente para cada pessoa, mas o destino é o mesmo: o encontro com o Sábio que habita dentro de nós.

A Sabedoria que Espera

Azhar é aquilo aprendi num longo precesso de vida, que a sabedoria não é algo que conquistamos através de esforço, mas algo que emerge quando paramos de lutar e começamos a ouvir.

Sua cegueira física é, paradoxalmente, sua maior visão. Ele não se distrai com aparências, não se perde em ilusões visuais. Ele tateia a realidade, sente suas vibrações, percebe sua essência. E nisso, ele vê mais profundamente do que qualquer um com olhos perfeitos.

Acho que criar esse personagem, não era apenas para constuir um mentor para minha história de fantasia. Estava mapeando minha própria jornada de individuação, de encontro com o inconsciente, de descoberta de que a sabedoria mais profunda sempre esteve dentro de mim – eu apenas precisava “fechar os olhos” para o ruído externo e começar a sentir.

E você? Quem é o seu Azhar interior? Que verdades ele está esperando o momento certo para revelar?

A sabedoria não grita. Ela sussurra. Talvez seu Azhar interior já esteja falando com você agora – e o desafio é apenas silenciar o suficiente para ouvi-lo.


Sobre “Os Dragões Brancos”: Uma obra de fantasia filosófica onde exploro temas profundos através de narrativas épicas, criando personagens que são, em muitos aspectos, espelhos dos meus próprios processos de transformação e busca por sabedoria interior.

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