A Luz que Equilibra: Ismira, Sartre e a Coragem de Ser Autenticamente Livre

Como construí Ismira em "Os Dragões Brancos" para encarnar a filosofia existencialista de Sartre. Reflexões sobre autenticidade, liberdade e o desafio de criar personagens que vivem suas próprias escolhas.
“A existência precede a essência.” – Jean-Paul Sartre

Quando comecei a escrever “Os Dragões Brancos”, sabia que precisava de uma personagem que representasse a luz – não a luz estéril e distante dos anjos de mármore, mas uma luz viva, provocativa, profundamente humana. Ismira nasceu dessa necessidade, mas ela rapidamente se tornou algo mais: uma exploração de como a autenticidade existencialista pode se manifestar em um mundo de fantasia.

A Essência que Nasce da Existência

Quando o Divino Encontra o Humano

Má-fé vs Autenticidade

“Eu não sou uma clériga como as que você conhece.” Essa foi uma das primeiras frases que escrevi para Ismira, e ela captura exatamente o que eu queria explorar: a recusa em se moldar às expectativas de um papel pré-definido.

Sartre argumentava que a existência precede a essência – não nascemos com uma natureza fixa, mas nos criamos através de nossas ações. Ao construir Ismira, tentei encarnar essa máxima. Ela não segue um manual de como ser uma clériga perfeita. Ela existe primeiro, e através de suas escolhas diárias – cada piada, cada cuidado, cada momento de provocação – ela se recria constantemente.

Na fantasia, onde personagens frequentemente são definidos por profecias e destinos, essa liberdade radical me parecia especialmente importante de explorar.

Contra a Má-Fé Religiosa

Um dos conceitos de Sartre que me chama atenção é o conceito de “má-fé” (mauvaise foi) – nossa tendência de fingir que não temos escolha para evitar a responsabilidade da liberdade. No contexto religioso, isso se manifesta quando seguimos rituais vazios ou nos escondemos atrás de dogmas.

Ismira foi construída como o oposto radical disso. Quando cuida de Zyric, ela escolhe fazê-lo com humor: “Se fosse veneno, você já teria caído duro no chão.” Cada palavra é uma escolha consciente de como ela quer se relacionar com o mundo.

Essa escolha narrativa subverte a tradição da fantasia, que normalmente apresenta figuras religiosas como solenes e distantes. A autenticidade de Ismira questiona a religiosidade performática sem precisar atacá-la diretamente.

A Anima Existencialista: Além de Jung

Desafiando, Não Completando

Jung desenvolveu o conceito de “anima” – o aspecto feminino da psique masculina que traz equilíbrio. Na literatura, isso frequentemente se manifesta como a figura feminina que “completa” o herói masculino.

Mas eu queria algo diferente com Ismira. O que chamei de “anima existencialista” – uma figura que não completa o herói, mas o desafia a assumir total responsabilidade por quem ele escolhe ser.

A distinção é crucial. Ismira não existe para tornar Zyric inteiro. Sua luz não preenche os vazios dele – ela os ilumina, forçando-o a confrontar suas próprias escolhas e contradições. Essa inversão do arquétipo tradicional cria uma dinâmica mais complexa: duas liberdades que se reconhecem mutuamente, em vez de uma dependência romântica.

Você já teve alguém em sua vida que te desafiou a ser mais autêntico, em vez de simplesmente te aceitar como estava?

A Syzygy Existencialista

Jung usava o termo “syzygy” para descrever a união dos opostos – masculino e feminino, consciente e inconsciente. Tradicionalmente, isso é representado como uma fusão harmoniosa que cria completude.

Ao escrever a relação entre Zyric e Ismira, a idéia era criar uma interpretação existencialista dessa união: ela não o “salva” de sua herança Drelkor, mas cria um espaço seguro onde ele pode escolher o que fazer com essa herança.

É uma syzygy não de completude, mas de reconhecimento mútuo da liberdade radical do outro. Equilíbrio não significa fusão, mas respeito mútuo entre opostos.

A Luz que Não Ofusca, Mas Revela

O Equilíbrio Verdadeiro

Ismira é “tão celestial quanto contraditória”. Ela carrega uma luz divina – “como se a própria aurora morasse em seu corpo” – mas essa luz não nega sua humanidade. Pelo contrário, ela a abraça completamente.

Essa escolha subverte a pureza estéril que frequentemente caracteriza personagens “sagrados” na fantasia. A luz de Ismira inclui a provocação, o humor, até mesmo a impaciência. Ela é divina não apesar de sua humanidade, mas através dela.

Essa integração de opostos – sagrado e profano, divino e humano, sério e brincalhão – cria uma personagem que desafia as dicotomias simplistas.

A Responsabilidade da Autenticidade

Sartre ensinou que somos “condenados a ser livres” – que nossa liberdade é tanto um presente quanto um fardo. E era exatamente isso que quis explorar com Ismira, como esse fardo pode ser carregado com graça.

Mas também mostrei que sua autenticidade tem consequências. Sua presença força outros personagens a confrontarem suas próprias escolhas. A liberdade não é apenas pessoal, é também política – ao escolher ser autêntico, inevitavelmente questionamos a inautenticidade ao nosso redor.

A Revolução Silenciosa da Autenticidade

Transformando Através do Ser

Quando Ismira quebra a tensão na cabana de Azhar, ela não faz um discurso sobre diplomacia. Ela simplesmente escolhe ser quem é – alguém que vê além das suspeitas superficiais e reconhece a humanidade em um estranho.

Essa cena ilustra que a revolução existencialista não acontece através de grandes gestos heroicos, mas através da coragem radical de ser autenticamente quem somos em cada momento.

Quantas pequenas revoluções poderiam ser iniciadas simplesmente através da autenticidade nas interações diárias?

A Liberdade como Responsabilidade

Para Sartre, ser livre não significa fazer o que queremos – significa assumir total responsabilidade por quem escolhemos ser. Tentei fazer Ismira encarnar essa responsabilidade de forma exemplar.

Ela não usa sua natureza divina como desculpa para ser distante, nem sua humanidade como justificativa para ser irresponsável. Ela escolhe cuidar, mas com humor. Escolhe servir, mas sem subserviência. Escolhe amar, mas sem perder sua identidade.

Cada escolha é um ato de criação – ela afirma sua identidade a cada momento.

A Luz que Ensina a Brilhar

O verdadeiro poder de Ismira não está em sua luz divina, mas em como essa luz convida outros a encontrarem a própria. Ela não diz a Zyric quem ele deveria ser – ela o provoca a descobrir por si mesmo.

Ismira funciona como um catalisador para a liberdade alheia, não como uma salvadora que resolve problemas alheios. Essa distinção é fundamental para entender o existencialismo aplicado: ninguém pode nos libertar, apenas nos desafiar a assumir nossa própria liberdade.

A Aurora Interior

Ismira honra o sagrado sem se prender a ele, cuida sem se sacrificar, ama sem se perder. Ao escrevê-la, não estava apenas criando uma clériga para minha história de fantasia. Estava explorando como seria viver a filosofia existencialista de Sartre em um mundo de magia e dragões.

O que significa ser autenticamente livre quando você carrega o peso do divino?

A resposta que encontrei através de Ismira é que a verdadeira revolução não está em quebrar todas as regras, mas em escolher conscientemente quais regras servem à nossa autenticidade. Que podemos ser divinos e humanos, sagrados e irreverentes, cuidadores e livres.

A liberdade existencialista não é um conceito abstrato – é uma prática diária de escolher quem somos, momento a momento, com toda a responsabilidade e beleza que isso implica.

Ismira me ensinou isso enquanto a escrevia. Mas, acima de tudo, ela nos convida a perguntar: se você tivesse a coragem de ser completamente autêntico, que tipo de luz você irradiaria? Quem você escolhe ser em cada instante?


Sobre “Os Dragões Brancos”: Uma obra de fantasia filosófica onde exploro temas profundos através de narrativas épicas, criando personagens que não apenas vivem aventuras, mas encarnam questões existenciais que me acompanham há anos.

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