O que faz de um herói, um herói? É sua força em batalha? Sua nobreza de espírito? Sua capacidade de sacrifício? Desde as lendas arturianas até as complexas tramas de Westeros, a fantasia medieval sempre foi um terreno fértil para explorar as virtudes e os vícios da condição humana.
Mas o que talvez você não saiba é que a imagem do cavaleiro de armadura brilhante, do mago sábio e do rei justo não nasceu do nada. Ela é o resultado de uma longa conversa que atravessa séculos, conectando a filosofia da Grécia Antiga, a psicologia profunda do século XX e a sabedoria simbólica do Tarot.
Neste post, vamos embarcar em uma jornada épica para desvendar o código moral do herói da fantasia. Veremos como as virtudes de Aristóteles – coragem, honra, prudência – moldaram o ideal do cavaleiro medieval. Descobriremos como os arquétipos de Carl Jung e a jornada do herói de Joseph Campbell se refletem nos 22 Arcanos Maiores do Tarot, criando um mapa para a alma humana.
E, finalmente, chegaremos a George R.R. Martin e sua obra-prima, Game of Thrones, para entender como ele subverte e complexifica essas noções tradicionais de heroísmo, criando personagens que são tão falhos quanto fascinantes.
Prepare sua espada, consulte seus oráculos e junte-se a nós nesta exploração das virtudes do herói, de Aristóteles a Game of Thrones.

O Cavaleiro Aristotélico: Forjando a Virtude na Batalha
Para entender o herói clássico da fantasia, precisamos voltar mais de dois mil anos, para a Grécia Antiga e para a mente de Aristóteles. Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles não define a virtude como um conjunto de regras a serem seguidas, mas como uma excelência de caráter (areté) que é desenvolvida através do hábito e da prática.
Para ele, a virtude está no meio-termo (mesotes) entre dois extremos, dois vícios. Por exemplo:
•Coragem: É o meio-termo entre a covardia (deficiência de coragem) e a temeridade (excesso de coragem).
•Generosidade: Fica entre a avareza e a prodigalidade.
•Temperança: É o equilíbrio entre a insensibilidade e a intemperança.
O objetivo final da vida virtuosa, para Aristóteles, é alcançar a eudaimonia – um estado de florescimento humano, muitas vezes traduzido como “felicidade” ou “vida boa”.
O Ideal do Cavaleiro Medieval
O código de cavalaria da Idade Média, embora influenciado por valores cristãos, é profundamente aristotélico em sua essência. O cavaleiro ideal não é apenas um guerreiro habilidoso, mas um homem de virtude. Ele deve ser:
•Corajoso, mas não imprudente.
•Leal ao seu senhor, mas não cego à injustiça.
•Generoso com os fracos, mas não esbanjador.
•Cortês e respeitoso, mas não subserviente.
Personagens como Aragorn de O Senhor dos Anéis ou Sir Galahad das lendas arturianas são encarnações desse ideal aristotélico. Eles constantemente enfrentam dilemas morais que os forçam a encontrar o meio-termo virtuoso. A jornada de Aragorn para aceitar seu destino como rei não é apenas uma busca por poder, mas uma busca pela virtude da magnanimidade (grandeza de alma), equilibrando sua humildade de guardião com a responsabilidade de um líder.
A Virtude em “Os Dragões Brancos”
Em Os Dragões Brancos, a luta de Tristan para equilibrar seu dever como cavaleiro e sua consciência pessoal é um exemplo claro da ética aristotélica em ação. Ele é leal ao reino, mas questiona as ordens que considera injustas. Sua virtude não está em obedecer cegamente, mas em usar sua prudência (phronesis), a sabedoria prática que Aristóteles considerava a mãe de todas as virtudes, para navegar em um mundo moralmente complexo. Ele busca o meio-termo entre a lealdade cega e a rebelião egoísta, tentando encontrar o caminho da verdadeira honra.

A Jornada da Alma: Jung, Campbell e os Arquétipos do Tarot
Se Aristóteles nos deu o “o quê” da virtude heroica, a psicologia profunda de Carl Jung e o trabalho mitológico de Joseph Campbell nos deram o “porquê” e o “como”. Eles revelaram um mapa universal da jornada da alma, uma estrutura que encontramos não apenas nos mitos antigos, mas também na fantasia moderna e, surpreendentemente, nos 22 Arcanos Maiores do Tarot.
Jung e os Arquétipos
Carl Jung propôs que, além de nosso inconsciente pessoal, todos nós compartilhamos um inconsciente coletivo, um reservatório de imagens e temas universais que ele chamou de arquétipos. Esses arquétipos são padrões primordiais que moldam nossa experiência e se manifestam em nossos sonhos, mitos e histórias. Alguns dos mais importantes para a jornada do herói são:
•A Persona: A máscara social que usamos.
•A Sombra: Nossos aspectos reprimidos e desconhecidos.
•Anima/Animus: A contraparte feminina/masculina em nossa psique.
•O Sábio Ancião: O arquétipo da sabedoria e do guia.
•O Herói: Aquele que se aventura para integrar esses aspectos e alcançar a totalidade (o Self).
Campbell e a Jornada do Herói
Joseph Campbell, em seu livro O Herói de Mil Faces, analisou mitos de todo o mundo e descobriu que eles compartilham uma estrutura fundamental, o monomito ou a Jornada do Herói. Essa jornada de 12 passos, desde o “Chamado à Aventura” até o “Retorno com o Elixir”, é essencialmente um roteiro para a individuação junguiana – o processo de se tornar um indivíduo completo e integrado.
O Tarot como Mapa da Jornada
Os 22 Arcanos Maiores do Tarot podem ser vistos como uma representação simbólica dessa mesma jornada. A sequência, começando com o Arcano 0, O Louco (o herói no início de sua jornada, cheio de potencial), e terminando com o Arcano XXI, O Mundo (a realização e integração), espelha perfeitamente as etapas do monomito e os encontros com os arquétipos junguianos:
•O Mago (I) e A Sacerdotisa (II): O herói descobrindo seus poderes conscientes e inconscientes.
•O Imperador (IV) e A Imperatriz (III): Encontro com os arquétipos paterno e materno.
•O Eremita (IX): O encontro com o Sábio Ancião.
•O Diabo (XV): O confronto com a Sombra.
•A Torre (XVI): A destruição do ego para permitir o renascimento.
•O Sol (XIX): A iluminação e a integração.
Personagens de fantasia frequentemente seguem essa jornada arquetípica. A jornada de Luke Skywalker em Star Wars, de Harry Potter, e de Frodo em O Senhor dos Anéis são exemplos clássicos. Eles encontram mentores (Obi-Wan, Dumbledore, Gandalf – O Eremita), confrontam suas sombras (Darth Vader, Voldemort, o poder corruptor do Anel – O Diabo) e, através de provações, alcançam um novo nível de consciência.
A Jornada em “Os Dragões Brancos”
Em Os Dragões Brancos, a jornada de Zyric segue de perto essa estrutura arquetípica. Seu “Chamado à Aventura” é a destruição de sua vila. Seu encontro com Lady Elsera e Azhar representa o encontro com os arquétipos do Mentor e do Sábio. A descoberta de sua herança meio-Drelkors é um confronto com sua Sombra, e sua decisão de liderar os Dragões Brancos é a aceitação de seu papel como Herói. Cada passo de sua jornada pode ser mapeado nos Arcanos Maiores, revelando um caminho de transformação que é ao mesmo tempo único e universal.

A Revolução de Westeros: Game of Thrones e a Complexidade da Virtude
E então, chegamos a Westeros. Se a fantasia clássica nos deu o ideal do herói virtuoso, George R.R. Martin, com As Crônicas de Gelo e Fogo, nos deu um espelho brutalmente honesto da realidade moral. Martin pega o código de cavalaria aristotélico, a jornada do herói arquetípica, e os joga em um mundo onde a virtude nem sempre é recompensada e a honra pode levar à morte.
A Desconstrução do Herói
A genialidade de Martin está em sua recusa em criar personagens puramente bons ou maus. Seus personagens são um mosaico complexo de virtudes e vícios, forçados a fazer escolhas impossíveis em um mundo cão. Ele nos mostra que:
•A honra pode ser uma fraqueza: Ned Stark é o herói aristotélico por excelência – corajoso, honrado, justo. E é exatamente por isso que ele perde a cabeça. Sua recusa em jogar o “jogo dos tronos” o torna incapaz de sobreviver em um mundo que não segue suas regras.
•A virtude é contextual: Jaime Lannister começa como um vilão arquetípico – incestuoso, arrogante, regicida. Mas ao longo de sua jornada, vemos lampejos de honra, coragem e até mesmo amor sacrificial. Ele fez a coisa errada (matar o rei) pela razão certa (salvar milhares de vidas). Ele é um herói ou um vilão? A resposta, em Westeros, é: depende.
•A redenção é um caminho tortuoso: Personagens como Theon Greyjoy e Sandor “Cão de Caça” Clegane nos mostram que a jornada para a redenção não é uma linha reta. É um processo doloroso, cheio de recaídas e ambiguidades, que desafia nossas noções fáceis de perdão e transformação.
Onde Fica a Virtude?
Martin não está dizendo que a virtude não importa. Pelo contrário, ele está nos forçando a pensar sobre ela de uma forma mais profunda. Personagens como Davos Seaworth, Brienne de Tarth e Samwell Tarly constantemente lutam para manter sua integridade em um mundo que os pune por isso. Eles nos mostram que a verdadeira virtude não é seguir um código externo, mas lutar para encontrar seu próprio norte moral em meio ao caos.
Em Westeros, a prudência aristotélica – a capacidade de deliberar e fazer a escolha certa na situação certa – torna-se a virtude suprema. Personagens como Tyrion Lannister sobrevivem não por sua força ou nobreza, mas por sua capacidade de entender a natureza humana e navegar nas águas traiçoeiras da política e do poder.
A Complexidade em “Os Dragões Brancos”
Inspirado por essa complexidade, busquei em Os Dragões Brancos criar personagens que existissem em tons de cinza. O próprio Terror Branco, Kryovax, não é um mal absoluto, mas uma força da natureza cuja dor o transformou em um monstro. Os líderes de Elarion, como o Capitão Edric, são homens bons forçados a tomar decisões questionáveis pela sobrevivência de seu reino. A jornada de Zyric não é apenas sobre derrotar o mal, mas sobre entender suas origens e lutar para não se tornar aquilo que ele combate, um dilema que ecoa as lutas de Jon Snow e Daenerys Targaryen.
O Herói Moderno, um Mosaico de Virtudes
Desde os ideais de Aristóteles até a brutalidade de Westeros, a figura do herói na fantasia medieval passou por uma profunda transformação. O cavaleiro de armadura brilhante, personificação da virtude clássica, deu lugar a personagens complexos, falhos e profundamente humanos, que refletem nossas próprias lutas morais.
Mas essa evolução não invalida os modelos antigos. Pelo contrário, ela os enriquece. A jornada do herói, os arquétipos de Jung e os símbolos do Tarot continuam a ser ferramentas poderosas para entendermos a nós mesmos. A complexidade de Game of Thrones nos lembra que a virtude não é um destino, mas uma batalha constante, travada não em campos de batalha, mas no coração de cada indivíduo.
O herói da fantasia moderna é um mosaico: ele tem a coragem de Aristóteles, a profundidade de Jung e a ambiguidade de Martin. Ele nos ensina que ser herói não é ser perfeito, mas lutar para ser bom em um mundo imperfeito. E essa, talvez, seja a lição mais virtuosa de todas.
E você, qual é o seu herói de fantasia favorito? Ele é mais um cavaleiro aristotélico ou um sobrevivente de Westeros? Deixe sua opinião nos comentários e vamos continuar essa conversa!
Se você ficou interessado em ver como essas virtudes heroicas se manifestam em uma nova aventura épica, conheça “Os Dragões Brancos – O Inverno de Elarion”, onde personagens complexos navegam entre a honra e a sobrevivência em um mundo onde as escolhas morais têm consequências reais.